Por Adriane Menna Barreto*

Nesta imagem uma mãe segura no colo uma criança pequena. Ao seu lado, outra criança.
Imagine essa mulher chegando a um posto de saúde em uma cidade brasileira.

Ela entra na fila, e espera. Quando finalmente é atendida, relata que a bebê tem muita dificuldade para respirar — vive congestionada, cansada.
Se estiver em um município com alguma estrutura, sairá com uma receita médica e algumas orientações.

Mas é provável que o profissional de saúde, sobrecarregado, não tenha tempo para fazer muitas perguntas e entender todo o contexto da criança. Muito menos perguntar sobre a mãe.

O sistema foi treinado para responder a sintomas, não a contextos.
Foco na queixa. Solução imediata.
E assim seguimos alimentando um modelo de atenção setorial, fragmentado, muitas vezes ineficaz.

Mas o que não se vê quando só se escuta a tosse?
A imagem a seguir nos ajuda a entender.

A mesma mãe aparece agora em casa, com os filhos. É possível enxergar o ecossistema onde ela vive. Uma moradia precária, feita de sobras, com chão batido, sem ventilação adequada. Poeira, umidade, mofo.
É ali que ela e as crianças dormem. É ali que crescem.
O problema respiratório daquela bebê não é um episódio isolado. É o resultado direto das condições estruturais da desigualdade.

As crianças estão alimentadas? Estão na escola? Têm acesso à água potável? A mãe tem rede de apoio?

A mãe, visivelmente cansada, talvez esteja sozinha na criação dos filhos.
Talvez não tenha rede de apoio, nem renda estável, nem formação básica.
Talvez não saiba ler. Talvez esteja repetindo o mesmo ciclo de invisibilidade vivido por sua própria mãe.

Mesmo com a receita em mãos, talvez não consiga comprar o remédio. E, se conseguir, talvez não saiba como administrá-lo corretamente.

Essa criança melhora?
E essa mãe? Quem a escuta?

Não basta tratar o sintoma.
Para romper ciclos, precisamos de respostas intersetoriais, integradas e contínuas, que considerem todos os desafios da família, do território – o contexto.

Investir em saúde, em educação, em moradia, é fundamental.
Mas, é preciso compreender que a desigualdade exige soluções sistêmicas. Os desafios estão profundamente conectados — e respostas setorizadas não são suficientes para transformar realidades.

Combater a pobreza costuma mobilizar ações emergenciais — doações, campanhas, apoios pontuais. E é fundamental. Inadmissível termos crianças morrendo de fome hoje, vivendo em condições de total vulnerabilidade.

Mas reduzir desigualdades vai além: exige pensar nos determinantes sociais que sustentam essas desigualdades. Exige acesso a direitos, qualidade de serviços, redistribuição de oportunidades e justiça para todos.

Eliminar a pobreza é urgente.
Promover equidade é o que verdadeiramente muda o futuro.

*Adriane Menna Barreto atualmente ocupa o cargo de Diretora Executiva do Instituto Tecendo Infâncias, filantropia estratégica com foco no desenvolvimento de crianças na primeira infância. Tem experiência no setor privado, público, e no setor cidadão, na gestão de pessoas, processos e recursos.